spot_img
spot_img

Artigo: Como a Globo tenta enganar a comunidade libanesa do Brasil, por Eduardo Vasco

spot_img

Mais notícias

O Jornal Hoje de se­gunda-feira, 23, exibiu uma re­por­tagem nar­rada pela cor­res­pon­dente em Te­la­vive, Paola de Orte, sobre os ata­ques is­ra­e­lenses ao Lí­bano. Como todas as re­por­ta­gens da Rede Globo sobre o Ori­ente Médio, em es­pe­cial sobre o ge­no­cídio de Is­rael em Gaza, pra­ti­ca­mente ne­nhum ele­mento foi pro­du­zido pela Globo. As ima­gens e de­poi­mentos foram todos re­co­lhidos pelas agên­cias de no­tí­cias in­ter­na­ci­o­nais – Reu­ters, AP e AFP, pra­ti­ca­mente. Fora o voice over, apenas uma das en­tre­vistas foi feita pela equipe da Globo.

Diz Paola de Orte, nar­rando a re­por­tagem: “o ana­lista po­lí­tico e pro­fessor de His­tória na Uni­ver­si­dade Ame­ri­cana de Bei­rute, Ma­kram Rabah, ex­plica que o Hez­bollah, apesar de ser um grupo li­banês, não re­pre­senta os in­te­resses do Lí­bano”. Então, ela dubla a fala de Rabah: “o Hez­bollah é um re­pre­sen­tante do Irã e, em­bora muitas pes­soas o vejam como um grupo li­banês, é de fato um agente ira­niano que do­mina o es­paço po­lí­tico e econô­mico do Lí­bano”. Então, a re­pórter fi­na­liza: “para o pro­fessor, o chefe do grupo, Hassan Nas­rallah, não se im­porta com o povo li­banês, mas com uma opor­tu­ni­dade de ganho po­lí­tico”.

Pri­meiro, vamos ver quem é Ma­kram Rabah. Como a pró­pria re­por­tagem o apre­senta, ele dá aulas na Uni­ver­si­dade Ame­ri­cana. Esta uni­ver­si­dade é re­co­nhe­ci­da­mente uma for­ma­dora de qua­dros pró-es­ta­du­ni­denses e de co­la­bo­ra­dores da CIA no Lí­bano, há dé­cadas. Ele também é li­gado a ou­tras ins­ti­tui­ções de en­sino e pes­quisa dos Es­tados Unidos, como o Washington Ins­ti­tute, um dos inú­meros think tanks do im­pe­ri­a­lismo deste país.

O dis­curso de Rabah re­flete a sua for­mação e cor­res­ponde aos man­da­mentos de seus pa­trões, os es­ta­du­ni­denses. A má­quina de pro­pa­ganda dos EUA mar­tela na ca­beça do pú­blico que o Hez­bollah, assim como o Hamas e os Houthis, é um “agente ira­niano”. Essa é uma velha tá­tica pro­pa­gan­dís­tica para des­le­gi­timar ad­ver­sá­rios. O cza­rismo e de­pois Ke­rensky acu­savam os bol­che­vi­ques de serem “agentes ale­mães”. Jo­seph Mc­Carthy per­se­guiu até mesmo ar­tistas de Hollywood ta­chando-os de “agentes russos”. Os mé­dicos cu­banos que cu­raram tantos pa­ci­entes bra­si­leiros eram con­si­de­rados “agentes de Castro” pela Veja e de­fen­sores da clo­ro­quina que des­truíram o pro­grama Mais Mé­dicos e jo­garam de­zenas de mi­lhões de bra­si­leiros no vazio as­sis­ten­cial.

Essas afir­ma­ções contra o Hez­bollah não cor­res­pondem à re­a­li­dade. O Hez­bollah nasceu da luta do povo li­banês, par­ti­cu­lar­mente dos mu­çul­manos xi­itas, contra os re­pre­sen­tantes da do­mi­nação ame­ri­cana e is­ra­e­lense no país. A Guerra Civil li­ba­nesa ini­ciou em 1975 e o Par­tido Fa­lan­gista, um par­tido aber­ta­mente fas­cista e ter­ro­rista, re­cebia todo o apoio dos EUA e de Is­rael para es­magar os mu­çul­manos a ferro e fogo e con­trolar o país. Seu líder, Bashir Ge­mayel, era um agente norte-ame­ri­cano. E sem aspas. Porque, ao con­trário da pro­pa­ganda dos EUA contra o Hez­bollah e o Irã, está ple­na­mente do­cu­men­tado que, ainda quando vivia nos EUA, Ge­mayel havia sido re­cru­tado pela CIA. Con­forme seu poder au­men­tava, au­men­tava também a pro­pina paga pela CIA e pelo Mossad. Dois meses e meio de­pois da in­vasão de Is­rael ao Lí­bano, em 1982, ele subiu ao poder no país. Dois dias após Ge­mayel ser as­sas­si­nado pelos opo­si­tores, o exér­cito de ocu­pação is­ra­e­lense apoiou a in­vasão das mi­lí­cias fa­lan­gistas aos acam­pa­mentos de re­fu­gi­ados pa­les­tinos de Sabra e Cha­tila, que re­sultou nos fa­mi­ge­rados mas­sa­cres com­pa­rá­veis apenas ao que Is­rael está fa­zendo atu­al­mente em Gaza.

A ocu­pação is­ra­e­lense só ter­minou em 2000, mas voltou a acon­tecer ra­pi­da­mente em 2006. Du­rante todos esses anos, a partir da dé­cada de 1980, quem es­teve na linha de frente da luta pela ex­pulsão dos in­va­sores do Lí­bano foi pre­ci­sa­mente o Hez­bollah. É claro que o Hez­bollah re­cebe forte apoio do Irã, em todos os sen­tidos. Os ira­ni­anos devem ser aplau­didos por isso, assim como pelo apoio à Re­sis­tência Pa­les­tina, aos Houthis e à Síria. Todos eles têm uma luta comum: a luta pela li­ber­tação na­ci­onal e de toda a re­gião do do­mínio im­pe­ri­a­lista, exer­cida prin­ci­pal­mente através de sua base mi­litar cha­mada Is­rael.

Nas úl­timas elei­ções ge­rais, em 2022, o Hez­bollah re­cebeu 335,4 mil votos, mais do que o dobro do se­gundo par­tido mais vo­tado (o Mo­vi­mento Amal, seu aliado). No total, o Hez­bollah e sua co­a­lizão re­ce­beram mais de 700 mil votos, ou 39% dos votos re­gis­trados – mais de 460 mil votos a mais que o se­gundo co­lo­cado.

Até mesmo pes­quisas de ins­ti­tutos oci­den­tais apontam para uma alta po­pu­la­ri­dade do Hez­bollah. No final do ano pas­sado, após o início do ge­no­cídio em Gaza, o Washington Ins­ti­tute mos­trou que 93% dos xi­itas, 34% dos su­nitas e 29% dos cris­tãos ti­nham uma visão po­si­tiva do Hez­bollah. O Par­tido de Deus é um par­tido xiita, mas tem cres­cido mais ainda entre os não xi­itas, de acordo com esse ins­ti­tuto. A pes­quisa an­te­rior, de 2020, mos­trava um apoio de 7% dos su­nitas e 16% dos cris­tãos. Já uma pes­quisa de opi­nião do Barô­metro Árabe, re­a­li­zada entre fe­ve­reiro e abril deste ano, in­dicou que o Hez­bollah tem o apoio de um terço dos li­ba­neses, in­cluindo 85% dos xi­itas. A per­cepção po­si­tiva do papel do Hez­bollah na po­lí­tica re­gi­onal au­mentou par­ti­cu­lar­mente entre drusos, su­nitas e cris­tãos nos úl­timos dois anos. A pes­quisa do Barô­metro também mos­trou que os li­ba­neses re­jeitam de ma­neira con­tun­dente o ge­no­cídio em Gaza e con­si­deram os bom­bar­deios is­ra­e­lenses àquele ter­ri­tório pa­les­tino muito mais ter­ro­ristas (78%) do que os ata­ques do Hez­bollah ao norte de Is­rael (11%).

Por úl­timo, o apoio po­pular do Hez­bollah é tão grande que mais de 100 mil li­ba­neses de­ci­diram se juntar às suas mi­lí­cias ar­madas. Por­tanto, não se trata de um apoio pas­sivo, mas sim de um apoio ativo. De fato, o Hez­bollah tem o maior con­tin­gente entre todas as or­ga­ni­za­ções pa­ra­mi­li­tares do mundo todo.

Então, como o Hez­bollah pode ser um mero “agente ira­niano”, se ele re­cebe tanto apoio po­pular?

Como dito no início do texto, isso é um ar­ti­fício para des­le­gi­timar o Hez­bollah. Outro é ro­tulá-lo de “ex­tre­mista”. É di­fícil que esse ad­je­tivo não acom­panhe qual­quer menção ao nome Hez­bollah no no­ti­ciário da Rede Globo, bem como ela faz com os “ter­ro­ristas do Hamas”. Ne­nhum jor­na­lista da Globo ja­mais ex­plicou por que chama o Hamas de “ter­ro­rista” e o Hez­bollah de “ex­tre­mista”. Mas é claro para todos os ob­ser­va­dores mi­ni­ma­mente atentos sabem que isso é uma jo­gada de ma­ni­pu­lação para apre­sentá-los como lado mau da his­tória. Nem o go­verno, nem o exér­cito e nem mesmo o pri­meiro-mi­nistro de ex­trema-di­reita de Is­rael ja­mais foram cha­mados de “ex­tre­mistas” ou de “ter­ro­ristas”.

Mesmo que todos eles sejam res­pon­sá­veis por in­con­tá­veis atro­ci­dades co­me­tidas há quase um ano, e que até altos fun­ci­o­ná­rios e or­ga­nismos da ONU, bem como o pró­prio go­verno bra­si­leiro, re­co­nheçam que Is­rael co­mete um ge­no­cídio que já matou mais de 50 mil pa­les­tinos em Gaza, con­tando com os de­sa­pa­re­cidos sob es­com­bros.

A Globo, que foi criada pela di­ta­dura mi­litar im­plan­tada pelos Es­tados Unidos e graças aos dó­lares da Time-Life, que sempre teve ne­gó­cios com o Deep State ame­ri­cano e re­cebe o pa­tro­cínio de inú­meras em­presas dos EUA, é muito mais uma “agente norte-ame­ri­cana” do que o Hez­bollah é um “agente ira­niano”. E como tal, de­sem­penha o papel de prin­cipal porta-voz do Es­tado norte-ame­ri­cano no Brasil. A Globo dis­se­mina a pro­pa­ganda en­co­men­dada desde os EUA a favor de Is­rael (outra cri­ação norte-ame­ri­cana) para ga­rantir o apoio da bur­guesia, da classe média e do apa­rato bu­ro­crá­tico do go­verno bra­si­leiro às em­prei­tadas im­pe­ri­a­listas. Também pro­move essa pro­pa­ganda para co­locar aqueles que estão contra o ge­no­cídio e do lado dos opri­midos na de­fen­siva. Porque tomar essa pos­tura seria estar do lado dos “ter­ro­ristas” e dos “ex­tre­mistas”. Esse dis­curso é re­pe­tido por todos os grandes veí­culos de co­mu­ni­cação bra­si­leiros, que também têm o seu rabo preso com o di­nheiro e o poder dos EUA.

Esse é um ponto em comum da Globo e da im­prensa pró-im­pe­ri­a­lista bra­si­leira com todos os grandes meios de co­mu­ni­cação dos EUA, da Eu­ropa e dos países sub­me­tidos ao jugo im­pe­ri­a­lista. Mas o Brasil tem também uma es­pe­ci­fi­ci­dade: o Brasil abriga uma das mai­ores diás­poras de origem árabe e mu­çul­mana do mundo. A pró­pria diás­pora li­ba­nesa é a maior do mundo, com cerca de 10 mi­lhões de mem­bros. Os grandes meios de co­mu­ni­cação, em es­pe­cial a Globo, que é o maior de todos, têm a obri­gação de im­pedir que toda essa gente tenha os mesmos sen­ti­mentos de re­volta e in­dig­nação contra as bar­ba­ri­dades co­me­tidas por Is­rael e EUA como têm seus pa­rentes no Ori­ente Médio. Porque isso po­deria forçar o go­verno e as ins­ti­tui­ções bra­si­leiras a re­duzir sua co­la­bo­ração com aqueles que oprimem o Ori­ente Médio – que são os mesmos que sub­jugam o Brasil.

Uma clás­sica ló­gica im­pe­ri­a­lista é a de di­vidir para reinar. É assim que sempre agiram os im­pé­rios. O Ori­ente Médio, junto com a África, é um dos mais fortes exem­plos do su­cesso dessa es­tra­tégia mi­lenar.

Edu­ardo Vasco é jor­na­lista e es­pe­ci­a­lista em Re­la­ções In­ter­na­ci­o­nais.

Marília
nublado
20.2 ° C
20.2 °
20.2 °
96 %
2.1kmh
85 %
qui
32 °
sex
32 °
sáb
32 °
dom
29 °
seg
23 °

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

spot_img
spot_img
spot_img
spot_img

Últimas notícias