Iman Helles, uma mãe deslocada abrigada em uma instalação administrada pela agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados palestinos em Gaza, teme que agora será “jogada na rua” com seus três filhos.
A proibição de Israel à agência da ONU para refugiados palestinos no Oriente Próximo (UNRWA) entrou em vigor na quinta-feira (30), e Helles depende quase inteiramente da organização para sustentar sua família no enclave devastado.
Depois que sua casa no distrito de Shejaiya, no leste da Cidade de Gaza, foi destruída durante a guerra, eles foram forçados a se mudar para uma antiga escola primária para meninas que agora serve como um abrigo administrado pela UNRWA em Deir al-Balah, no centro de Gaza.
“Vivemos em uma escola da agência. Se eles proibirem a agência não teremos o que comer nem beber”, disse Helles à CNN. “Se eles nos expulsarem, para onde irei com meus filhos pequenos?”
Helles está entre milhões de palestinos que dependem da agência da ONU para sua subsistência, educação e meios de subsistência, não apenas em Gaza, mas também na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, ambos ocupados por Israel.
Em outubro, o parlamento israelense, o Knesset, aprovou dois projetos de lei: um proibindo a UNRWA de realizar atividades dentro de Israel e outro proibindo autoridades israelenses de qualquer contato com a agência. O segundo projeto de lei revoga um tratado de 1967 que permite que a agência forneça serviços a refugiados palestinos em áreas sob controle israelense.
A legislação entrou em vigor na quinta-feira e deve restringir severamente as atividades da UNRWA, com um impacto humano potencialmente devastador.
Israel tentou fechar a agência por anos, mas intensificou as medidas contra ela depois que militantes liderados pelo Hamas atacaram o país em 7 de outubro de 2023, matando 1,2 mil pessoas e fazendo mais de 250 reféns. Israel acusou alguns funcionários da UNRWA de envolvimento naquele ataque.
Uma investigação da ONU concluiu que nove dos 13 mil funcionários da UNRWA em Gaza “podem” ter se envolvido no ataque e não devem trabalhar mais na agência. Mas a UNRWA há muito tempo afirma que Israel não forneceu evidências contra seus ex-funcionários. A agência diz que regularmente forneceu a Israel uma lista completa de seus funcionários e acusou Israel de deter e torturar alguns deles, forçando-os a fazer falsas confissões sobre seus laços com o Hamas.
Não se sabe como Israel pretende prosseguir com a proibição, mas alguns de seus efeitos já estão em andamento. No domingo, Israel ordenou que a UNRWA “desocupasse todas as instalações em Jerusalém Oriental ocupada e cessasse as operações lá até 30 de janeiro de 2025”, disse a agência da ONU.
Israel também encurtou a validade de todos os vistos para a equipe internacional da UNRWA até quarta-feira, disse a ONU. Isso “equivale a ser despejado”, disse o porta-voz da UNRWA Jonathan Fowler.
“A equipe internacional da UNRWA no escritório de Jerusalém Oriental teve que evacuar e se mudar para Amã, capital da Jordânia, no início do dia”, disse a ONU na quarta-feira. “Equipamentos e veículos do escritório foram movidos, e os esforços para digitalizar seus arquivos continuam.”
Efeito “desastroso”
Dias antes da proibição, a ONU alertou sobre seus efeitos prejudiciais, enquanto Israel insistiu que a agência é substituível e comprometida com o fluxo de ajuda para Gaza.
O chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse na terça-feira (28) que sua implementação será “desastrosa”.
“O governo de Israel alega que os serviços da UNRWA podem ser transferidos para outras entidades”, afirmou Lazzarini, acrescentando que sua agência é única em seu mandato de “fornecer serviços públicos”, que “só podem ser transferidos para um estado funcional”.
Em um discurso na terça-feira na ONU, o representante de Israel Danny Danon disse que “esta legislação é sobre o que está acontecendo em Israel; não é sobre o que está acontecendo em Gaza, na Jordânia, no Líbano. Mas não permitiremos que a UNRWA trabalhe em Israel”.
Danon acrescentou que o papel da UNRWA em Gaza deve ser eliminado e substituído por outras agências da ONU. “Acho que será um processo gradual até que outras agências entrem e assumam suas posições”, disse Danon aos repórteres.
O porta-voz do governo israelense David Mencer disse na quarta-feira que algumas dessas agências incluirão o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a agência da ONU para crianças (UNICEF) e o Escritório das Nações Unidas para Serviços de Projetos (UNOPS), que já operam em Gaza. Todas as três agências trabalharam em estreita colaboração com a UNRWA, e o PMA e a UNICEF condenaram a proibição de sua agência parceira da ONU.
Mais de 912.000 refugiados palestinos também estão registrados na UNRWA na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, cerca de um quarto dos quais vivem em 19 campos de refugiados. Na Cisjordânia, a UNRWA atende mais de 45.000 alunos e administra cerca de 96 escolas, 43 centros de saúde e 19 centros femininos. Também forneceu empréstimos no valor de US$ 225,3 milhões.
Israel insiste que os palestinos não passarão por um vácuo de ajuda, dizendo que a contribuição da UNRWA é mínima, uma alegação refutada pela UNRWA e outras agências da ONU.
Outras agências “não terão escolha a não ser continuar e aumentar seus esforços”, disse Danon.
Segurança dos trabalhadores da UNRWA
A proibição também levanta questões sobre a segurança de milhares de trabalhadores da UNRWA em Gaza, mais de 270 dos quais já foram mortos desde o início da guerra, de acordo com a agência. Mais de 47.000 palestinos foram mortos em Gaza pelo cerco de Israel, de acordo com o Ministério da Saúde no enclave.
Questionado se a equipe da UNRWA está segura, Danon disse: “Não cabe a nós cuidar da segurança deles.”
Mencer descreveu na quarta-feira a UNRWA como “uma instituição falida” que está “imersa em terrorismo”. Ela então acusou a agência de perpetuar o conflito, dizendo que “glorifica a matança de judeus, glorifica a jihad”.
Hoda Hussein, que foi deslocada com sua família do norte de Khan Younis, descreveu a proibição imposta pela UNRWA como “uma segunda fome e uma nova guerra em Gaza”.
“Nós confiamos em Deus, e então eles (UNRWA)”, ela disse, acrescentando que por 15 meses eles não tiveram para onde ir.
“Nós confiamos neles completamente, para tudo”.
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Fonte: www.cnnbrasil.com.br