Queda do rendimento escolar; falta de interação entre os alunos; problemas de ansiedade e insegurança; desigualdades sociais e exclusão; problemas de postura. A lista, que tem mais oito itens, foi feita pelos estudantes da Escola EstaduaI Indígena Pé de Mutum e colocada na parede da sala de aula para alertar sobre as desvantagens do uso do celular na escola.
Neste ano, o uso do celular passou a ser restrito em todas as escolas do país, e não foi diferente na escola da aldeia Pé de Mutum, na Terra Indígena (TI) Japuíra, no noroeste do estado de Mato Grosso.
Na aldeia, os aparelhos estão nas mãos dos indígenas das mais diversas idades, assim como os benefícios e os riscos que a tecnologia pode trazer. Um deles é o endividamento em jogos e apostas online. Diante desse cenário cada vez mais conectado, tanto escola quanto projetos que ali são desenvolvidos buscam orientar a população.
O professor de ciências da natureza do ensino médio Edson Utumi diz que, mesmo com a proibição e com as orientações, muitas vezes, os alunos usam o celular. “Se você circular aqui pelo espaço da escola, até mesmo no período de aula, vai achar algum aluno distraído no celular”, diz. Segundo ele, são os jogos online os que mais distraem os estudantes: “Muitas vezes, está pelo celular jogando e conversando com o outro [aluno] que está ao lado, mas pela internet”.
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Dívidas em apostas online
Os desafios extrapolam a escola e chegam à comunidade. Uma jovem, que terá a identidade preservada nesta reportagem, conta que perdeu mais de R$ 3 mil em apostas online.
“Não vou mentir para você, não. De vez em quando, eu jogo, sim. Apostei já uns R$ 4 mil, 5 mil. E ganhei R$ 1 mil”, diz. “Fica difícil para a gente, porque, às vezes, a gente tem um uma conta para pagar e gasta naquele joguinho”.
Outra jovem, que também não será identificada, perdeu pelo menos R$ 300 de uma só vez. “Eu jogo de vez em quando e acho que perdi muito, perdi muito mais do que ganhei. Teve uma vez que eu gastei R$ 300 e perdi tudo. É porque todo mundo tava jogando e falando que dava dinheiro. Dá dinheiro, mas, depois, se você continua apostando, você perde tudo”, diz.
Na aldeia Barranco Vermelho, na Terra Indígena (TI) Erikpatsa, a Escola Estadual Myhyinymykyta também conversa com os estudantes sobre o uso da tecnologia. Segundo o professor Givanildo Bismy, os estudantes têm respeitado as regras. Eles têm acesso a laptops na escola, onde aprendem a usar a tecnologia.
“Os alunos respeitam muito”, diz. “A gente tem a aula com eles com o Chromebook, então, eles não precisam levar. Até os pais também ajudam e falam assim: ‘Ah, você não pode. Na escola, sua obrigação é estudar, e não ficar mexendo no celular’. Com isso, eles nos ajudam muito. Hoje, a gente não alfabetiza mais o aluno para ficar em casa, a gente forma para o mercado do trabalho. A gente pede a eles que terminem [os estudos], que façam uma graduação”.
Jovens comunicadores
A tecnologia também traz benefícios. Um deles é possibilitar que os indígenas sejam protagonistas dos próprios discursos, das próprias histórias e divulgações, principalmente nas redes sociais. A ação Jovens Comunicadores, desenvolvido na terra indígena, nasce com esse objetivo.
“A ideia é ajudá-los a ter autonomia no que eles produzem de conteúdo a respeito deles próprios. A nossa intenção é capacitá-los para que eles possam falar da realidade que eles vivem”, explica a responsável pela equipe de comunicação do Biodiverso, Paula Lustosa, uma das organizadoras do Jovens Comunicadores.
De acordo com ela, a intenção é também que eles possam comunicar os impactos ambientais que têm sofrido. “É importante saber falar das mudanças climáticas, como quem está vivendo dentro de um território, dentro de uma reserva”.
A ação é voltada para cerca de 20 indígenas e ribeirinhos que participam de aulas online e presenciais sobre a importância dos territórios e da comunicação. As aulas são ministradas por profissionais de comunicação, sendo uma delas a jornalista indígena Helena Corezomaé, do povo Balatiponé de Mato Grosso.
Josilaine Barkui, de 20 anos, é uma das integrantes do projeto. “Eu decidi participar desse projeto para compreender sobre a comunicação, para divulgar nossas culturas, nossos saberes, como a gente vive aqui dentro da aldeia. E já aprendemos bastante coisa, como editar vídeo, sobre ética, sobre a comunicação”, diz.
Um dos aprendizados foi como identificar as chamadas fake news, notícias falsas. “Tem chegado bastante fake news. A gente procura saber se está em todos os sites [confiáveis], se alguém da aldeia ficou sabendo, se é verdade ou não. A gente procura saber primeiro para depois divulgar”, explica.
Projeto Biodiverso
O projeto Biodiverso é desenvolvido pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Pacto das Águas, com o objetivo promover o uso sustentável da sociobiodiversidade, com povos indígenas e comunidades tradicionais no noroeste do estado de Mato Grosso. O projeto é patrocinado pela Petrobras e faz parte da estratégia de mitigar o aquecimento global e as mudanças climáticas pela defesa da conservação da floresta.
A ação Jovens Comunicadores é uma das desenvolvidas no âmbito do projeto, que tem como meta dar suporte a 300 extrativistas na produção de 800 toneladas de castanha, 90 toneladas de borracha e 15 toneladas de óleo de copaíba, com boas práticas de produção padronizadas e com assistência técnica periódica, até 2027. Com isso, espera-se garantir a conservação de 1,4 milhão de hectares no bioma amazônico.
A convite da Petrobras, a equipe da Agência Brasil visitou as aldeias Barranco Vermelho e Beira Rio, na TI Erikpatsa e Pé de Mutum, na TI Japuíra, nos dias 8 e 9 de abril.
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Petrobras, patrocinadora do projeto Biodiverso
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br