Tem coisa que não é ilegal, mas cheira mal. E tem coisa que cheira mal e não pode ficar escondida da população.
Publicamos ontem uma reportagem que mostra como funcionam as relações entre a política e o jornalismo em São Paulo, mas que a gente sabe que se repete por outras bandas.
Obtivemos um documento que detalha os pagamentos feitos pela Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo à Folha de S. Paulo. A contratação foi intermediada pela agência de publicidade Propeg e só este ano, a agência já repassou R$ 2,3 milhões ao jornal para pagar matérias pagas.
O serviço contratado? Pelo menos 61 reportagens em uma página criada pelo Estúdio Folha para a veiculação do conteúdo. A página tem a logo do Estúdio Folha na parte superior, mas só isso. Bem discreto. As notícias elogiosas sobre a gestão do prefeito Ricardo Nunes não apresentam nenhuma mensagem de “conteúdo publicitário” ou similar.
Cheira mal, não?
Não foi fácil ter acesso às informações que publicamos na reportagem. Foram pelo menos dois meses de apuração, para que o repórter Paulo Motoryn conseguisse concluir sua matéria. O que é estranho, já que estamos falando de dinheiro público.
A cidade de São Paulo vive uma crise humanitária há anos. Qualquer pessoa que caminhe pelo Centro percebe que algo precisa ser feito para apoiar a população que vive em situação de rua. São mais de 50 mil pessoas. Por outro lado, Ricardo Nunes, o prefeito, tem a pior avaliação entre os que ocuparam o cargo nos últimos 14 anos.
Ou seja, o pior prefeito da cidade que concentra sozinha metade da população em situação de rua do país aparece nas páginas do maior jornal brasileiro com manchetes como: “Compromisso garante capacidade de investimento recorde do município”. Ou ainda: “Rede de proteção e valorização para idosos é ampliada na cidade de SP”.
Como se nota, nas páginas da Folha, o prefeito é atuante, comprometido e toda semana inaugura algo novo. Agora a população já sabe por quê.
Leonardo Martins
Diretor da comunidade de membros
THE INTERCEPT BRASIL