Um acordo de cessar-fogo poderia ser um desastre disfarçado para a Ucrânia?
Essa é a pergunta urgente que ecoa nos bunkers da linha de frente da Ucrânia e nas ruínas das cidades sitiadas, onde a exaustão implora por paz, mas onde reina uma desconfiança, aprendida a um preço alto, em relação à Rússia
A ansiedade vem de várias perguntas. Um cessar-fogo se manteria? A Rússia o usaria apenas para se reequipar e atacar novamente? Moscou o desejaria, dado que está ganhando terreno rapidamente? Os aliados da Ucrânia dariam o mesmo apoio militar, se sentissem que a diplomacia havia levado as armas a se calarem?
As telas diante de Volodymyr Sablyn, um comandante de batalhão na 66ª brigada mecanizada, contam uma história de cortar o coração do campo de batalha moderno, mas arcaicamente brutal, da Ucrânia.
Drones baratos de pequeno porte voam sobre as trincheiras esburacadas e danificadas ao redor de Lyman – uma mistura de lodo congelado, lixo, bunkers e “beterraba”, o termo usado para restos humanos que não podem ser recuperados.
“Se houver um cessar-fogo agora, só vai piorar para nós”, falou Sablyn à CNN esta semana. “Porque o inimigo vai se restaurar, formar novas unidades militares, se reagrupar e atacar novamente.”
Sablyn se juntou ao exército em fevereiro de 2015, quando separatistas russos tomaram a cidade de Debaltseve, em Donetsk, apesar de concordarem com uma trégua.
Agora, na frente oriental, cessar-fogo decretados há uma década que forneceram pouca cobertura para novos avanços militares russos, são uma prova viva da necessidade urgente de cautela na mesa de negociações.
A cena que Sablyn comanda é aquela em que os ataques russos implacáveis e a tolerância a baixas exploraram a principal fraqueza de Kiev: a falta de infantaria.
Enquanto as forças do comandante lançam morteiros nas linhas de frente de Lyman, as forças de Moscou avançam em um centro militar vital ao sul — Pokrovsk.
O ritmo do seu cerco é assustador e, quando cair, a Rússia terá poucos assentamentos importantes entre suas forças e as principais cidades de Dnipro e Zaporizhzhia.
A esperança é uma moeda-chave aqui, e uma das suas facetas, consistentemente levantada por autoridades ucranianas, é a ideia de tropas europeias ou da Otan fornecendo garantias de segurança a Kiev por meio de sua presença específica em áreas da linha de frente – como uma espécie de mantenedores da paz.
Uma autoridade de defesa europeia disse à CNN recentemente que houve “discussões ativas” sobre assistência semelhante.
Um cessar-fogo, seguido por membros europeus da Otan comandando uma zona desmilitarizada é um princípio-chave de um plano de paz apresentado pelo novo enviado do presidente dos EUA, Donald Trump, à Ucrânia, o general Keith Kellogg, em um documento de abril.
“Se a Otan pudesse enviar tropas para a Ucrânia”, falou Sablyn, “seria uma garantia de segurança na Ucrânia. Porque a Rússia — não importa o quanto diga que não tem medo de ninguém — tem medo da América, tem medo da Otan como um todo.”
No entanto, à medida que o anoitecer se aproxima perto das unidades de artilharia avançadas do 66º, a ideia parece cercada de riscos insuperáveis.
A ameaça dos drones russos é tão grande que as unidades de artilharia podem ser alcançadas quando o sol se põe no horizonte e a luz desaparece.
Um comandante de unidade que nos acompanha verifica o monitor portátil para ver se os drones de vigilância russos partiram.
Paramos por 10 minutos até que o sinal verde seja dado e então corremos pelos campos rochosos até uma linha de árvores onde velhas armas de artilharia distribuem regularmente “fogo de supressão” aos russos.
A paz é algo que é melhor levar muito a sério aqui, e os homens que vivem no subsolo são céticos.
“Há apenas 30% de chance de um cessar-fogo”, comentou um soldado, Viktor. “Porque a situação na frente não está de tal forma que podemos ver que haverá uma trégua. É tudo muito difícil.” Outro, Andriy, acrescentou: “Acho que é 40%. O outro lado está vencendo, tomando territórios. E nós, em geral, não temos nada a dizer.”
A CNN não está incluindo os nomes completos de várias pessoas com quem falamos, por questões de segurança.
A franqueza crescente das tropas que meses atrás repetiam apenas garantias de vitória estudadas é reproduzida por alguns civis exaustos de cidades da linha de frente.
Caminhando lentamente pelas ruas devastadas de Lyman está Larysa, de 72 anos, seus incisivos de ouro brilhantes entre o concreto salpicado de bombas.
“Fomos atingidos 19 vezes hoje… 19 vezes desde esta manhã”, ela disse à CNN. “Meu marido está contando, e eu estou tomando remédio para dormir. E então ele me acorda e diz: ‘Bem, você contou?’”
Ela fica chorosa quando a perguntam por que não deixou uma cidade tomada pela primeira vez na invasão russa de 2022. Um lugar libertado pelas forças ucranianas mais tarde naquele ano, e agora fortemente pressionada pelos homens de Putin novamente, que estão a cerca de 10 quilômetros de seus arredores.
“Aqui, eu corri descalça; ali, eu nadei no rio”, ela falou, gesticulando para as bordas da cidade. Tenho 72 anos, não quero (sair). Todos os meus três irmãos estão enterrados aqui, todas as minhas tias, tios, pai, mãe. Não posso sair.”
Ela tem pouca simpatia por Kiev, descrevendo os soldados ucranianos que encontra em supermercados como desleixados e dizendo que a família de sete pessoas de um amigo deixou Lyman duas semanas antes e foi alojada em um estábulo nas proximidades de Poltava. “Um estábulo! Mas estava limpo e havia um pouco de feno.”
Larysa disse que Trump não será diferente de Biden, que ela ouviu na televisão que ele estava tentando comprar partes do leste da Ucrânia para seu filho, provavelmente repetindo uma falsa propaganda russa.
As esperanças dela estão no Kremlin como os tomadores de decisão.
“Ninguém vai resolver isso. Só Putin vai se ele falar, ‘já chega, eu já matei pessoas demais.’” Ela acena quando perguntada se a paz por meio de Putin é o único caminho a seguir.
Atrás dela, um ônibus reúne moradores que ainda entram e saem da cidade desolada para fazer compras.
Ninguém fala, exceto o motorista, Dima, que diz que foi para a Rússia para ficar com parentes quando os russos invadiram a Ucrânia pela primeira vez e voltou recentemente.
Ele comenta que está acostumado com a destruição e tem esperança pela paz. “É tudo política. Nada depende de nós. Como for decidido, assim será.”
Para outros, tem sido uma década de turbulência e perda.
Inesa, de 60 anos, está sentada sozinha na praça central de Slovyansk, onde há 10 anos separatistas russos tomaram o prédio da administração local e lutaram contra o exército ucraniano, por repetidos cessar-fogo, acordos e avanços russos.
Ela disse que uma década antes, apesar do caos do separatismo, eles ainda tinham empregos e esperança.
Agora ela e a mãe são tudo o que resta em Slovyansk, um alvo russo importante em Donetsk, o resto da família espalhada, ela comentou, pelo mundo pela guerra.
“Agora não há futuro”, ela disse. “Nós não vemos isso. Quem vê? Eu quero que isso pare. Parem com o bombardeio.”
Fonte: www.cnnbrasil.com.br