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Como “Psicopata Americano“ anteviu obsessões atuais com rotina aflitiva

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Vinte e cinco anos atrás, em seu imaculado, porém modesto apartamento em Manhattan, os espectadores se arrumaram com Patrick Bateman pela primeira vez, conhecendo o personagem fictício, muitas vezes de terno e às vezes ensanguentado, em sua intensa rotina matinal.

Na adaptação cinematográfica de “Psicopata Americano” de 2000, Christian Bale interpreta o banqueiro de investimentos – e assassino em série noturno, dependendo da sua interpretação –  que, ao acordar, usa uma máscara de gel refrescante para os olhos, enquanto faz mil abdominais de cueca branca. Ele mostra detalhadamente sua rotina subsequente de cuidados com a pele, de nove passos, com dicas adicionais.

Produtos à base de álcool ressecam e “fazem você parecer mais velho”, ele afirma. Quando sua brilhante máscara facial de ervas e hortelã se solta, sua máscara real desliza, revelando seu olhar perturbador.

“Existe uma ideia de um Patrick Bateman, algum tipo de abstração, mas não existe um eu real, apenas uma entidade, algo ilusório”, ele monologa. “E embora eu possa esconder meu olhar frio e você possa apertar minha mão e sentir a carne agarrando a sua e talvez você possa até sentir que nossos estilos de vida são provavelmente comparáveis, eu simplesmente não estou lá.”

Ao longo do filme — e ainda mais no livro, publicado em 1991 por Bret Easton Ellis — Bateman é obcecado por marcas e bens de consumo, tagarelando seu conhecimento e julgando os outros por seus gostos. Hoje, seu espectro espreita online por meio de atitudes hiperconsumistas nas mídias sociais que quase fazem os comportamentos obsessivos de seu personagem parecerem normais.

Influenciadores registram as rotinas matinais de condicionamento físico e bem-estar minuto a minuto ou regime de cuidados com a pele noturno em várias etapas que parecem envolver uma variedade infinita de produtos.

O “desapego matinal”, popularizado no TikTok, pode envolver retirar ou descartar várias máscaras hidratantes para a pele, adesivos antirrugas, faixas para o queixo, fitas para a boca, máscaras de LED, bobes de cabelo e bandagens corporais, todos aparentemente usados durante a noite, para começar o dia.

“É um filme muito relevante para agora e, claro, foi [lançado] muito antes das mídias sociais, mas é baseado no mesmo princípio da aparência externa (e) da máscara de bens de consumo estar vazia por dentro”, disse Jaap Kooijman, professor associado de Estudos de Mídia e Estudos Americanos na Universidade de Amsterdã

Pura performance

O filme pode retratar um assassino em série, mas é a exibição do “consumismo em série” da época — então limitado à mídia tradicional, como anúncios impressos e de TV — que se tornou um prenúncio fascinante, já que a aspiração dos consumidores por produtos que se alinham com a autoestima só parecia crescer.

Os temas do filme convergem mais diretamente na “manosfera”, o canto cada vez mais persuasivo da internet que promove visões estreitas e problemáticas da masculinidade. Bateman tem sido frequentemente considerado um símbolo cult do “sigma masculino”, um arquétipo para alguém introvertido e atraente que trabalha duro, se exercita, tem uma boa rotina de cuidados com a pele e também nutre desprezo pelas mulheres.

As intenções originais de Ellis com seu romance têm sido continuamente debatidas, com muitos críticos acreditando que o livro é inerentemente misógino. Mas a interpretação da diretora Mary Harron sobre Bateman, coescrita com a roteirista Guinevere Turner, foi considerada feminista por alguns, incluindo Kooijman, em suas críticas.

“Ainda estamos assistindo a um serial killer, mas é tão exagerado e tão bem interpretado por Christian Bale que não dá para levar totalmente a sério”, explicou Kooijman.

O mesmo pode ser dito da busca por engajamento online, onde cada tendência é levada ao extremo e o contexto pode se perder.

É sátira quando uma rotina matinal de seis horas se torna viral por mergulhar o rosto em água com gás e gelo às 5 da manhã depois de fazer flexões na varanda? Ou só se torna assim quando outra pessoa responde com sua versão mergulhando o rosto na tigela a cada flexão? Bateman pode ter tomado notas e abandonado sua máscara de gel.

De qualquer forma, é tudo performance, algo que “Psicopata Americano” pisa na linha enquanto Bateman é cada vez mais revelado como um narrador não confiável. Bateman é obcecado por símbolos de status – a fonte do seu cartão de visita, a reserva sempre evasiva no restaurante notoriamente exclusivo Dorsia – mas a realidade de suas atividades cotidianas é obscura.

Seus colegas o identificam erroneamente, suas explosões com a noiva (interpretada por Reese Witherspoon) e a secretária (Chloë Sevigny) não são recebidas com respostas, e seus assassinatos com motosserras são limpos como se nunca tivessem acontecido.

 

“Sua persona como um assassino em série é tão real – ou não real – quanto sua persona como consumidor e sua persona como [banqueiro] Eles se tornam intercambiáveis, e esse é o terror, ou o fator distópico de ‘Psicopata Americano’”, disse Kooijman.

No entanto, embora o romance de Ellis possa ser interpretado como uma crítica à riqueza e ao consumismo de Nova York nos anos 1980, um período de crescimento econômico significativo, ele também os apresenta, disse Kooijman. “Você também pode lê-lo como uma celebração.”

Por causa disso, o propósito de Bateman pode ter sido perdido para os fãs que poderiam se beneficiar de seu ponto de vista. Afinal, no final do filme ele é uma figura patética, confessando suas ações mais depravadas apenas para ser chamado pelo nome errado e ignorado mais uma vez.

Em vez disso, muitos jovens estão circulando em torno das mesmas preocupações que Bateman, com uma câmara de eco de internautas descontentes com a mesma mentalidade, como banqueiros de investimento exibindo novos cartões de visita uns aos outros para inflar sua autoestima.

A manosfera, afinal, existe para si mesma. “Você sempre pode ser mais magra, ter uma aparência melhor”, diz Bateman à sua secretária quando a convida para passar a noite.

Online, essa mensagem continua a ressoar, enquanto as mídias sociais alimentam a fome insaciável por mais. Em “Psicopata Americano”, a identidade de Bateman é uma montagem vazia de rótulos, produtos e monólogos condescendentes — um modelo para a experiência de estar online hoje.

Fonte: www.cnnbrasil.com.br

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