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“Ideia política” marca papado de Francisco, diz historiador italiano à CNN

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O papa Francisco atingiu neste mês a marca de 12 anos desde que foi eleito pontífice. A marca foi atingida em meio a uma internação de cinco semanas em Roma para tratar uma infecção respiratória. Com o marco no pontificado, as reflexões sobre o período à frente da Igreja Católica, êxitos, fracassos e momentos mais marcantes se tornam inevitáveis.

Como papa, Francisco promoveu diversas reformas na Igreja, sobretudo na parte administrativa, na chamada Cúria.

Ao mesmo tempo, o argentino tentou deixar claro que não adotaria o mesmo estilo de vida de outros papas, rejeitando alguns “luxos” da Igreja, como o próprio Palácio Apostólico, residência oficial do pontífice.

Ao invés disso, Francisco escolheu a Casa Santa Marta para morar, um prédio no Vaticano que abriga dezenas de quartos, onde cardeais se hospedam quando viajam ao Vaticano.

O papa é um chefe de Estado e é impossível dissociar a política desse papel. É o que reforça Loris Zanatta, professor e historiador da Universidade de Bolonha e autor do novo livro “Bergoglio – Uma biografia política” (tradução livre).

“É inevitável que quem está na alta cúpula da política, quem cultiva altos ideais políticos, como sem dúvidas o papa Francisco cultiva, necessariamente se envolve no baixo escalão da política, o que implica em negociações, compromissos e acordos”, destaca Zanatta, em entrevista à CNN Brasil.

Loris Zanatta, professor e historiador da Universidade de Bolonha • Creative Commons

Esse cenário no papado reflete parte das origens e da formação de Francisco na Igreja da Argentina. Segundo Zanatta, o catolicismo argentino tem uma história em que “a esfera espiritual nunca se separou da esfera temporal, muito pelo contrário”.

O historiador, profundo estudioso da Igreja argentina, reforça que a religião do país impunha uma espécie de tutela sobre a ordem política e social. Isso, segundo ele, acabou sendo levado ao pontificado. “O papado de Francisco deixa transparecer uma ideia política”, completa Zanatta.

Além das funções políticas, Loris Zanatta também destaca o aspecto da diplomacia do pontificado de Francisco. Um dos exemplos é a atuação do pontífice para pressionar indiretamente os Estados Unidos a não bombardear a Síria, ainda na administração de Barack Obama.

Francisco organizou uma reunião de oração na Praça São Pedro em uma intervenção contra a ação americana. Mas Zanatta reforça o motivo por trás desse posicionamento papal: “Ele conseguiu bloquear efetivamente o bombardeio e, depois, confiou a proteção de sírios católicos aos russos”, destaca.

A Rússia apoiou forças de segurança ligadas a Bashar Al-Assad na guerra civil, que prosseguiu mesmo com a pressão do pontífice.

Distanciamento do Ocidente

Zanatta sugere que essa pressão do pontífice contra o bombardeio americano na Síria diz respeito a um dos êxitos do papado de Francisco até agora: o de distanciar a Igreja Católica do Ocidente.

“A ambição era criar uma autonomia da Igreja de uma identificação histórica com o Ocidente, é o legado principal dele e é provável que o sucessor siga o mesmo caminho”, explica Zanatta.

Essa estratégia de distanciamento, segundo o historiador italiano, está profundamente ligada à valorização que o papa Francisco dá à “cultura dos povos”.

Para o pontífice argentino, a religiosidade de cada cultura é um elemento fundamental e mais importante do que as estruturas políticas ocidentais, incluindo a democracia liberal. Francisco observa o Ocidente como um espaço secularizado e “descristianizado”, que perdeu a conexão religiosa ainda presente em muitas sociedades não ocidentais, pelas quais demonstra maior simpatia, segundo a análise de Zanatta.

Diplomacia do Vaticano

A diplomacia do Vaticano está centrada no seu secretário de Estado, Pietro Parolin, escolhido pelo papa Francisco.

O secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, aguarda encontro com o Rei Felipe VI da Espanha no Palácio da Zarzuela em 14 de outubro de 2016 em Madri, Espanha.
O secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, aguarda encontro com o Rei Felipe VI da Espanha no Palácio da Zarzuela em 14 de outubro de 2016 em Madri, Espanha. • Carlos R. Alvarez/WireImage

A nomeação de Parolin, segundo Zanatta, reflete uma semelhança com o peronismo, um modo de governo em que o governante se cerca de pessoas que são ideologicamente muito parecidas com ele. “É um estilo verticalista, ou seja, explicitamente de cima para baixo. O papa sempre buscou funcionários muito obedientes e muito próximos a ele”, comenta.

Porém, apesar de dispor de uma estrutura formal de canais diplomáticos oficiais, é comum que o papa Francisco utilize meios informais para avançar pautas de relações exteriores, ainda segundo a entrevista de Loris Zanatta à CNN.

Segundo o professor, o pontífice já tratou de assuntos relacionados à guerra Ucrânia x Rússia por meio da chamada Comunidade de Santo Egídio, uma associação pública de leigos da Igreja Católica e com fortes laços com os russos. Essa entidade é conhecida pelo apoio filantrópico a pessoas pobres, acolhida a imigrantes e diálogos pela paz.

Outro exemplo de diplomacia informal é o já mostrado anteriormente: a reunião com orações para pressionar os americanos a não bombardearem a Síria. O pontífice poderia mobilizar os núncios, diplomatas que representam a Santa Sé em outros países, para mostrar uma oposição à ofensiva dos Estados Unidos, mas preferiu usar uma demonstração de reza e espiritualidade como forma de intervenção.

Por fim, Loris Zanatta aponta o que ele considera ser um outro grande legado da era de Francisco, até agora. É a ideia de cooperação entre grandes religiões monoteístas, como o cristianismo, islamismo e judaísmo. Ao longo do pontificado, Francisco viajou por vários países, inclusive de não maioria não católica, como a Mongólia, Mianmar, Indonésia e Egito.

“Isso foi demonstrado de mil maneiras… Gestos, discursos, viagens ao longo de seu pontificado para povoados do mundo, países que não pertencem ao Ocidente democrático liberal. Ele acredita que esses lugares conservam em certa quantidade a religiosidade que ele acredita que o Ocidente já tenha perdido”, finaliza.

Papa Francisco na chegada à Indonésia • 3/9/2024 REUTERS/Willy Kurniawan

Fonte: www.cnnbrasil.com.br

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