Com um currículo acadêmico vasto e mais de 20 anos de atuação militar, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, de 45 anos, está hoje no centro do julgamento sobre uma suposta trama para implementar um golpe de Estado no Brasil.
Uma audiência para definir se o Supremo Tribunal Federal (STF) irá aceitar a denúncia contra 34 pessoas — dentre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro, com quem trabalhava como ajudante de ordens — acontece esta semana.
Cid foi afastado pelo Exército em 2023, mas manteve sua patente, além de uma remuneração mensal de R$ 27 mil.
Antes de ingressar diretamente no trabalho dentro do Poder Executivo, o militar percorreu uma longa trajetória acadêmica.
Cid é doutor em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior e mestre em Operações Militares, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro, além de ser bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras.
O currículo Lattes dele confirma que possui “particular interesse no que diz respeito à Defesa Nacional, Terrorismo, Guerra Irregular, Oriente Médio e Relações Internacionais”.
Em 2018, ainda durante a transição de governo, Mauro Cid foi designado ajudante de ordens do então presidente eleito, Jair Bolsonaro.
Ajudante de ordens
Mauro Cid exercia uma função que classificava como a de “secretário executivo” do ex-presidente.
Era responsável por acompanhar e garantir que as agendas oficiais do presidente da República fossem executadas. Recepção de convidados e encaminhamento de pessoas para reuniões, atender ligações, receber correspondências, imprimir documentos, receber e entregar presentes, além de auxiliar nas atividades particulares da vida do ex-presidente, como almoços, finanças pessoais e viagens.
Mauro Cid era o de ajudante de ordens — cargo que servia apenas aos presidentes da República, chefes das Forças Armadas e comandantes de zonas militares: a de ajudante de ordens. Cada um dos cargos mais altos do Executivo e de Defesa tem direito a dois dos oficiais.
Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos cometidos em 8 de janeiro, Cid afirmou que, no dia a dia das reuniões e agendas, ele acabada sempre ficando fora das salas, sem questionar o que era discutido e sem interferir em decisões.
A CPMI também foi onde o tenente-coronel foi questionado sobre denúncias feitas pelo Hacker Walter Delgatti Netto, que afirmou que Cid sabia dos planos e participou de reuniões sobre o tema no Palácio da Alvorada.
Em 2019, o militar assumiu a chefia da Ajudância de Ordem da Presidência por indicação do Comando do Exército. A partir daí, ele passou a liderar a os “secretários” que acompanhavam a rotina do ex-presidente da República.
Prisão
Apesar de ser o pivô para a abertura de um processo hoje que investiga a tentativa de um golpe de Estado, o tenente-coronel Mauro Cid foi preso pela primeira vez por outro motivo.
Primeira prisão
Em 3 de maio de 2023, o ex-ajudante de ordens foi detido durante uma operação da Polícia Federal que investigava a fraude de cartões de vacinação da Covid-19.
Cid foi acusado de fraudar os documentos de Jair Bolsonaro e de parentes do ex-presidente, como o da filha, Laura.
Militares não podem cumprir pena em edifícios civis, como presídios. Cid permaneceu então em uma cela especial no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília.
Em setembro de 2023, ele deixou batalhão após fechar seu acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF), que foi homologado pela Justiça.
Apesar da saída, ele precisou comparecer à Secretaria de Justiça e Cidadania para instalação de tornozeleira eletrônica.
Segunda prisão
Mauro Cid desmaiou quando soube que seria preso pela segunda vez, em uma audiência no Supremo Tribunal Federal que aconteceu em março de 2024.
A cena aconteceu em uma sessão em que o militar foi chamado novamente para depor após a Revista Veja divulgar áudios vazados de conversas pessoais em que ele declara ter sido coagido em depoimento a falar coisas que não sabia, e que não aconteceram.
De acordo com ele, os áudios divulgados eram apenas desabafos a um amigo. O depoimento foi acompanhado de lágrimas do militar, que também afirmou, na época, estar vivendo “enclausurado”, e ter engordado “mais de dez quilos”.
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Comboio do tenente-coronel Mauro Cid na Superintendência da Polícia Federal (PF) em março de 2024, em Brasília (DF) • 22/03/2024-Antonio Cruz/Agência Brasil
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Jornalistas aguardam o tenente-coronel Mauro Cid na Superintendência da Polícia Federal (PF) em março de 2024 • 22/03/2024-Antonio Cruz/Agência Brasil
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Comboio do tenente-coronel Mauro Cid na Superintendência da Polícia Federal (PF) na capital federal em março de 2024 • 22/03/2024-Antonio Cruz/Agência Brasil
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Comboio do tenente-coronel Mauro Cid na Superintendência da Polícia Federal (PF) na capital federal em março de 2024 • 22/03/2024-Antonio Cruz/Agência Brasil
Delação premiada: o que Mauro Cid contou à PF
Mauro Cid fechou o acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal em 2023 e prestou longos depoimentos sobre suposto plano de golpe, venda de joias sauditas, fraude em cartões de vacinação e gabinete do ódio.
A delação foi homologada pelo Supremo no mesmo ano, e serviu de base para a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas de participar em uma trama golpista que impediria a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após as eleições gerais de 2022.
O sigilo da delação premiada de Cid caiu em fevereiro deste ano, por decisão do ministro Alexandre de Moraes. Com a derrubada, todos os 14 depoimentos do tenente-coronel se tornaram públicos.
Para que contasse o que aconteceu, o militar fez as seguintes exigências:
- Prisão de até dois anos;
- Devolução de bens e valores apreendidos;
- Proteção da Polícia Federal (PF) para si e para os familiares;
- Extensão dos benefícios para o pai, esposa e filhas.
Em troca, o compromisso firmado pelo tenente-coronel era, além de falar sobre todos os crimes que participou ou que tinha conhecimento, entregar documentos, gravações, fotografias e senhas de acesso, e informar imediatamente à PF caso algum dos investigados tentasse contato.
Detalhes do suposto plano de golpe
Segundo o ex-ajudante de ordens, depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições gerais de 2022, existiam três grupos insatisfeitos com o resultado: os “conservadores”, os “moderados” e os “radicais”.
Os conservadores tinham como membros o senador e filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Bruno Bianco, ex-advogado-geral da União. Além deles, também compuseram o grupo o senador Ciro Nogueira (PP-PI), e então ministro da Casa Civil, e o brigadeiro Batista Júnior, comandante da Aeronáutica da época.
Já o grupo dos moderados era composto por participantes como o general Freire Gomes, então comandante do Exército, além do general Paulo Sérgio Nogueira, que atuava como ministro da Defesa.
Por fim, os radicais eram, de acordo com Cid, divididos em dois núcleos. Um deles contava com a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e o deputado federal e filho do ex-mandatário, Eduardo Bolsonaro (PL-SP). A outra ala contava com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, e o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde.
Segundo o militar, uma reunião ainda teria acontecido na Asa Sul, bairro nobre de Brasília, teria acontecido em novembro de 2022. O objetivo seria discutir a “conjuntura do país”. As conversas incluíam manifestações a possibilidade de mobilizar caminhoneiros.
Depois, o então auxiliar de ordens revelou ter recebido dinheiro do então ministro da Defesa, Walter Braga Netto. O dinheiro foi repassado em uma sacola de vinho no Palácio da Alvorada, e tinha como obtivo final ajudar na viabilização de um golpe de Estado, segundo a versão contada por Cid.
Monitoramento de Alexandre de Moraes
Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), afirmou que o ex-presidente pediu que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fosse monitorado.
De acordo com o militar, ele estava “nervoso” por que o então vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) ou alguém do governo teria se encontrado com o magistrado.
Cid então pediu ao coronel Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência, tentasse confirmar a informação. A declaração veio à tona após Moraes, relator do caso no STF, liberar a divulgação dos áudios e vídeos do depoimento.
Venda das joias sauditas
À Polícia Federal, Mauro Cid contou que a ordem para que fosse aos Estados Unidos vender um junto de joias e relógios de luxo, presentes do governo da Arábia Saudita ao Brasil, partiu do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Uma decisão recente do TCU, contudo, definiu que presentes de uso pessoal, recebidos por presidentes e vice-presidentes, não são patrimônio público e podem continuar com eles ao saírem do cargo.
Antes da decisão do ministro Jorge Oliveira, relator do caso no TCU, não havia legislação específica sobre o tema.
Em delação, o militar disse que venda totalizou US$ 86 mil, que seriam sacados em partes para que não levantasse suspeitas.
A primeira fatia retirada foi de US$ 18 mil, e foi entregue diretamente a Bolsonaro, afirmou Cid à PF.
Fraude do cartão de vacina
Ainda em depoimento à Polícia, o tenente-coronel acusou Bolsonaro de ter dado ordens para inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para o ex-presidente e para sua filha, Laura.
Segundo o relato, os certificados de imunização foram impressos e entregues em mãos a Bolsonaro.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br