Por Percival Maricato
Advogado – sócio do Maricato Advogados Associados – membro da Coordenação do Pensamento Nacional das Bases Empresariais – PNBE
Na época da ditadura militar, de 1964 a 1968, ainda existia um mínimo de liberdade que permitia à opositores respirar, sobreviver discretamente, intelectual e fisicamente, apelar para tribunais etc. Esses resquícios de liberdade, de respeito às instituições, de partidos, candidatos e eleições consentidas, não eram permitidos por espírito democrático dos militares e seus asseclas civis, mas para manter aparências de democracia no plano internacional.
Mesmo no sufoco, com cassações de deputados e professores, prisões, censura em todos os meios de comunicação, fechamento de sindicatos, de centros acadêmicos estudantis, polícia na rua para prender inconformados, a oposição conseguia fazer denúncias de arbitrariedades, de corrupção, de violências contra trabalhadores, especialmente jornalistas, que crescia. O pessoal do Pasquim, Millôr e Jaguar à frente, dizia que naquele ritmo corríamos o risco de cair numa democracia.
Foi então que em célebre reunião no centro do poder, em Brasília, em 13 de dezembro de 2068, generais e seus cúmplices resolveram editar o ATO INSTITUCIONAL Nº 5, depois viriam mais meia dúzia de outros, resultando no fechamento total do regime, fim do habeas corpus e outras conquistas raquíticas da própria Constituição por eles imposta alguns anos antes. Acabou-se com qualquer prurido e fingimento, “às favas com os escrúpulos”, disse Jarbas Passarinho, então Ministro da Educação. Era o regime do “nacht und nebel” (noite e nevoeiro), como aplicado na Alemanha de Hitler, onde a Gestapo sumia com opositores.
Era para descer o pau “sem dó nem piedade”, prender, torturar e sumir com quem se atrevesse a manifestar opinião ou pensar alto contra o regime. Um desses sumidos tem sido muito comentado apenas porque fizeram uma obra prima do cinema sobre ele: Rubens Paiva, um pai de família que cometeu o crime de continuar lutando contra a ditadura sem ter sequer um estilingue para enfrentar os tanques e canhões do adversário.
O artigo 11 do AI-5, também inspirado nas normas do regime nazista alemão, dispensa comentários:
Art. 11. Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Ou seja, se o seu vizinho fosse um membro dos dominantes e por causa de uma briga dos respectivos cachorros te levasse preso para o quartel e alegasse que a prisão era por subversão, você não teria a quem apelar. Nem mesmo o STF (onde vários ministros desobedientes já tinham sido cassados) poderia salvá-lo de um “cabo ou sargento” se estes decidissem prendê-lo. Aliás, “um cabo e um sargento” poderiam fechar o STF, se suspeitassem de subversão e levassem a cabo “ato praticado de acordo com este Ato Institucional ou …Complementar”
Importante, pois, que nos lembremos do AI-5 e lutemos com mais afinco pela liberdade (mesmo), pela democracia (mesmo), para não voltar a esse tempo de noite e nevoeiro, para que as pessoas tenham sempre escrúpulo, ou seja, consciência moral de seus atos.