Como me descobri mulher!
Me perguntaram como eu me descobri feminina, e eu lembro exatamente o momento, e a sensação.
Eu sou a única mulher no meio de três irmãos e de uma família bem machista, embora eles nem percebam, ou sequer percebiam na época, era normal os pias, como dizemos por aqui, serem e terem mais privilégios, e eu cresci assim com a ideia que servir era um dever, lógico que sendo eu, como sou, sempre questionei, mas ali com meus 10 a 12 anos, virei um pia, era mais fácil, mais divertido, tinha todas as minhas obrigações de menina, limpar a casa, ajudar a mãe, e cuidar dos meninos, todos mais novos, mas me comportava como os meninos.
E assim me deixei levar, vivia uma realidade paralela, lendo, lia muito e de tudo, então tinha argumentos e mais argumentos em discussões, mas sempre levava um “fica quieta menina”, meninas não são assim, e a revolta tomou conta da minha adolescência, e assim na época, eu era a mais gordinha e sem graça, e devia ser chata para caramba nos meus discursos, mas sempre tem ovelhas negras que tem energia igual ou parecida, então tinha um grupo seleto de amigos tão estranhas como eu!
E isso me fez e ver que o mundo era feito de pessoas com problemas, desde cedo, diferentes dos meus, mas tão problemáticos para idade que os meus!
E assim cresci, até um dia uma afilhada da minha mãe, ela com seus trinta e poucos e eu no auge da minha frustração dos 18 anos, fez um curso de cabelereira, e eu tinha cabelo liso e comprido que vivia preso ou caindo no olho, totalmente sem graça para combinar com meus óculos e meus quilinhos a mais, dou risada agora, mas na época não era em nada engraçado.
Ela então me olhou e disse vamos cortar esse cabelo, aceita, e eu claro na hora, “eis que por debaixo da cabeleira que escondiam minha face e meus olhos, mesmo de óculos, surgiu uma linda mulher”.
Eu me achei linda, leve, vi que não era gorda, era grande, que podia sim ser bonita com minha saia longa branca e minha blusa de gola “V” de lã preta e minha inseparável bota branca de cano alto.
E fui para o cursinho me achando uma linda mulher, foi o dia mais memorável para mim, as pessoas agiam como se nunca tivessem me visto, sem modéstia, fazia fila de meninos, os mais bonitos da turma, vindo falar comigo, me elogiar, me mostrar que eu era sim uma moça e uma moça até que bem bonita, esse é dia que posso dizer sem sombra de duvidas que me vi como mulher, moça, menina, feliz com sua saia rodada, sendo perfeita no seu momento de esplendor! E foi assim que me achei como mulher, após um simples corte de cabelos!
Agradeço aos presentes que recebi ao longo da minha jornada que me mudaram como pessoa, claro que esse foi só o começo e que tive ainda um longo caminho até me achar de verdade, mas foi um lindo começo.
Hoje conversando com uma amiga de Aracaju, terra do sol e do mar, me vi falando sobre isso, ser feminina, e que ainda carrego em mim muita força masculina, e que as vezes a deixo dominar, sei que tem muitas como eu, que tem isso no DNA, muita coisa que foi ficando em nós que nem percebemos, porém nos moldam aos dias atuais!
Pensando nessa conversa eu decidi resgatar esse texto que ficou aqui guardado por meses que não via importância em deixá-lo público, porém nessa conversa entendi, que todas devemos vez por outra buscar nas nossas caixinhas de memorias momento que nos fizeram ver as coisas ou fazer coisas diferentes que nos libertaram de preconceitos conosco mesmo.
Desejo que todas as mulheres tenham tido esse incrível momento de autoconhecimento, de ver a força na delicadeza e na beleza, que podemos ser mulheres incríveis, as vezes e só baixar a guarda e resgatar momentos mágicos para o nosso dia a dia!
Conseguimos grandes feitos com nossa energia leve e bondosa, mais as vezes achamos que precisamos da força para tanto.
Trago a mim e a todas, a memória mágica do momento em que nos vimos como mulheres a primeira vez, e que podemos acessar esse momento quando e quanto quisermos.
E assim nasceu a mulher que sou hoje.
Viva a nossa grande mãe e a energia feminina do Universo.
Carla Souza Farrapa
Além do Salto
Gratidão Elenice de Oliviera por me lembrar quem sou, nos momentos de sombra que me acometem.
@alemdosaltooficial
Youtube carlafarrapa