O primeiro discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Congresso desde que voltou ao poder foi tanto uma “volta da vitória” após os primeiros 43 dias de seu segundo mandato quanto uma tentativa de justificar o que ele fez para um público que ainda pode estar digerindo suas decisões.
Em meio a tarifas, cortes governamentais e relações exteriores, Trump tomou medidas drásticas que deixaram os democratas furiosos e até mesmo alguns republicanos céticos, enquanto capitais estrangeiros se esforçaram para responder. Sua tarefa na terça-feira (4) era dizer o porquê.
Ele fez isso – até certo ponto. Mas o presidente também usou seu discurso para atacar implacavelmente seus oponentes, culpar seu antecessor e expor velhas queixas.
Trump entrou com muito a dizer. Seu discurso quebrou o recorde de discurso presidencial anual ao Congresso mais longo na história moderna, com pouco menos de uma hora e 40 minutos. Foi também um dos mais partidários, com quase nenhum dos apelos habituais por unidade.
Um caso partidário
Desde as primeiras palavras do discurso de Trump, ficou evidente que não se pareceria com muitos discursos ao Congresso no passado. Ele se gabou de sua vitória eleitoral em novembro, atacou os democratas por ficarem em seu caminho e reclamou que eles nunca aplaudiriam suas realizações.
“Não há absolutamente nada que eu possa dizer para deixá-los felizes”, disse ele, descrevendo sua oposição como uma causa perdida.
O drama se estendeu ao público, quando o deputado democrata Al Green interrompeu o presidente repetidamente antes que o presidente da Câmara, Mike Johnson, ordenasse a expulsão do congressista do Texas.
O momento, ocorrido no início do discurso de Trump, ajudou a definir a atmosfera partidária. Outros democratas seguraram cartazes ou abandonaram o local durante o discurso, desafiando os apelos da liderança para mostrar contenção.
E o presidente fez pouca tentativa de baixar a temperatura, repreendendo repetidamente os democratas por não ajudarem a promover sua agenda. Ele apontou para eles ao se referir a “lunáticos radicais de esquerda” e até usou seu apelido depreciativo “Pocahontas” para a senadora de Massachusetts Elizabeth Warren.
Sempre em modo de campanha
Ao longo do discurso, Trump se concentrou nas questões da guerra cultural que empolgam sua base, prometendo apagar a “wokeness” (termo que faz referência à consciência sobre questões raciais e de justiça social, frequentemente utilizado de forma pejorativa por conservadores) da sociedade e promovendo algumas de suas ações executivas mais divisivas.
Ele lamentou o que chama de injustiça da ação afirmativa e elogiou seus esforços para reverter os direitos trans e os programas de diversidade.
“Estamos tirando a wokeness de nossas escolas e de nossas forças armadas. Não queremos isso”, disse Trump. “Wokeness é problema. Wokeness é ruim. Acabou.”
Trump usou os convidados no camarote da primeira-dama para ilustrar seu ponto, incluindo atletas femininas, pais de crianças assassinadas por imigrantes ilegais e uma mãe cuja filha Trump alegou ter sido “secretamente transicionada socialmente” na escola.
Trump enquadrou os movimentos como parte de sua “revolução do senso comum”, embora cada uma das questões parecesse projetada para atrair principalmente sua base.
Em vez de preencher quaisquer lacunas partidárias, as ações ressaltaram o modo de campanha perpétuo em que Trump opera, mesmo que ele não esteja mais concorrendo a um cargo.
Ritmo rápido de mudança
As ações executivas que remodelam o governo federal vieram de forma implacável no primeiro mês e meio da administração de Trump; sua equipe está muito mais experiente desta vez, e o próprio presidente está impaciente para cumprir suas promessas de campanha.
No entanto, para muitos americanos, a onda de mudanças tem sido confusa. Pesquisas mostram ceticismo se infiltrando sobre as prioridades de Trump. O discurso de terça-feira foi uma oportunidade de apresentar um argumento convincente.
Ele escolheu destacar Elon Musk, o bilionário responsável por seu esforço de eficiência governamental que estava sentado nas galerias.
“Ele está trabalhando muito duro. Ele não precisava disso. Ele não precisava disso”, disse Trump, antes de incitar os democratas ainda mais: “Todos aqui, até mesmo este lado, apreciam isso. Acredito que eles simplesmente não querem admitir isso”, provocou ele, apontando para os democratas.
Mais tarde, Trump recitou uma longa lista de programas cujo financiamento foi cortado pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) de Musk, chamando-os enganosamente de exemplos de fraude. Ele também repetiu alegações já desmascaradas de que um número significativo de americanos mortos está recebendo benefícios da Previdência Social.
Os democratas na plateia seguravam cartazes dizendo “Musk rouba”, mas a recitação do presidente sobre os esforços do DOGE parecia muito mais focada em mensagens sobre programas que, em sua mente, refletem o desperdício de dinheiro dos contribuintes do que em detalhar qualquer economia real do governo.
Economia
As horas que antecederam o discurso de Trump dificilmente foram o cenário econômico que ele esperava. Os mercados de ações caíram quando as tarifas amplas que ele anunciou sobre o México, Canadá e China repercutiram entre os investidores. Quase assim que os mercados fecharam, seu secretário de Comércio sugeriu que poderia haver uma retirada das novas taxas nesta quarta-feira (5).
No entanto, Trump – que defende tarifas desde a década de 1970 e certa vez chamou “tarifa” de sua palavra favorita – não recuou da estratégia durante seu maior discurso do ano.
“O que quer que eles nos taxem, nós os taxamos. Isso é recíproco. O que quer que eles nos taxem, nós os taxamos”, enfatizou ele. “Nós arrecadaremos trilhões e trilhões de dólares e criaremos empregos como nunca vimos antes.”
Muitos republicanos têm ressalvas profundas sobre as tarifas, e os legisladores de estados que podem ser duramente atingidos passaram a terça-feira ao telefone com os assessores de Trump expressando suas preocupações. Eles esperavam ouvir de Trump uma explicação mais completa sobre seu plano tarifário e uma explicação de como os americanos comuns podem se beneficiar.
Trump foi vago nos detalhes e repetiu seu incentivo aos agricultores para “se divertirem muito” vendendo seus produtos dentro dos Estados Unidos, um sentimento que ele também expressou nas redes sociais esta semana.
Mas ele foi inflexível sobre o tema das tarifas, mesmo reconhecendo que elas podem causar problemas econômicos.
“As tarifas visam tornar a América rica novamente e grande novamente. E isso está acontecendo, e vai acontecer muito rápido”, disse ele. “Haverá uma pequena perturbação, mas estamos bem com isso. Não será muito.”
Um mundo mudado
Trump dificilmente poderia evitar a questão que dominou a última semana – a guerra na Ucrânia – apesar de seu discurso ter se concentrado amplamente em questões domésticas.
“Também estou trabalhando incansavelmente para acabar com o conflito selvagem na Ucrânia”, disse Trump.
Em um ponto, o presidente esperava anunciar um novo acordo de minerais de terras raras com a Ucrânia durante seu discurso. Mas uma briga no Salão Oval na semana passada com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, mudou isso.
Em vez disso, Trump voltou às suas frustrações sobre quanto dinheiro dos EUA foi gasto no conflito.
Mas ele também respondeu positivamente a uma postagem nas redes sociais de Zelensky, na qual o ucraniano expressou arrependimento pela discussão da última sexta-feira (28) e disse que estava pronto para iniciar as negociações de paz.
“Agradeço que ele tenha enviado esta carta”, disse ele, sem dizer quando tentaria falar com Zelensky novamente.
A culpa é de Biden
Trump fez de seu antecessor, o ex-presidente Joe Biden, uma figura central de sua segunda presidência, culpando-o por tudo, desde preços mais altos a conflitos estrangeiros.
O discurso de terça-feira não foi exceção. Ele nomeou Biden 12 vezes em seu discurso e fez referência à sua administração outras quatro vezes. Ele acusou Biden de deixar problemas para ele que vão do alto preço dos ovos à autorização de muito dinheiro para a Ucrânia, de acordo com trechos do discurso.
“Como vocês sabem, herdamos, da última administração, uma catástrofe econômica e um pesadelo de inflação”, disse Trump em seu discurso.
Mais tarde, abordando as tentativas de aprovar um projeto de lei de fronteira no ano passado, Trump disse que, em vez de uma nova legislação, “tudo o que realmente precisávamos era de um novo presidente”.
Democratas respondem
A senadora Elissa Slotkin, a caloura de Michigan que fez a refutação dos democratas, recebeu uma das tarefas infames e ingratas da política.
Ela foi curta e direta. Ela começou acusando Trump – e, incisivamente, Musk – de adotar uma abordagem “imprudente” e “caótica” para reformar o governo federal.
Condenando a repreensão do Salão Oval a Zelensky, ela alegou que Ronald Reagan estaria “se revirando no túmulo”.
Ela reconheceu que os americanos querem mudança. Mas, em seu relato, a mudança que Trump está executando arrisca danos fundamentais ao país.
Sua abordagem prática contrastou com a de alguns outros democratas, que tentaram canalizar a indignação em sua oposição a Trump.
Em vez disso, Slotkin encorajou os democratas a abraçar a ação, não a raiva: “Escolha apenas uma questão pela qual você é apaixonado – e se envolva. E apenas reclamar sobre notícias negativas não conta”, disse ela.
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Fonte: www.cnnbrasil.com.br